sexta-feira, 28 de março de 2014

Os Maias - Episódio das Corridas de Cavalos

Objetivos

Novo contacto de Carlos com a sociedade de Lisboa, incluindo o próprio rei.
Visão panorâmica da sociedade lisboeta (masculina e feminina) sob o olhar crítico de Carlos.
Tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo Paris.
Criticar o cosmopolitismo postiço da sociedade;
Possibilidade de Carlos encontrar novamente a mulher que viu à entrada do Hotel Central.




Caracterização do ambiente geral


Largo de Belém


tosca guarita de madeira, armada de véspera -> improvisação;
monotonia;
tristeza e silêncio;
pasmaceira (o trabalhador com o filho ao colo e a mulher);
desinteresse (o garoto apregoando o programa das corridas que ninguém compra, a mulher da água fresca sentando-se na sombra a catar o filho);
o trintanário que fora comprar o bilhete de Craft demora-se em discussão com o bilheteiro, que não tem troco de uma libra; Craft apeia-se para ir resolver o problema e é insultado;
as pessoas em trajes domingueiros;
traços realistas: a descrição do calor, do colorido, dos sons e dos costumes de uma cidade estagnada.

falta de motivação e entusiasmo pelo fenómeno desportivo em causa;
provincianismo.
Entrada do hipódromo


«... abertura escalavrada num muro de quintarola...»;
primeira desordem / discussão:

motivo: um sujeito queria entrar sem pagar a carruagem, porque o sr. Savedra lho tinha prometido;
o engarrafamento de dog-carts e caleches de praça;
os insultos dos ocupantes;
a intervenção deselegante da polícia;
o grande rebuliço e a poeirada;



. falta de organização
. pelintrice
. falta de educação
. provincianismo



Descrição do hipódromo


situado numa colina, sob a aragem vinda do rio, provoca uma sensação de frescura e paz;
a gente apinhada;
as precárias condições das tribunas e do espaço envolvente:

a tribuna real forrada de uma baetão vermelho de mesa de repartição;
as tribunas públicas com o feitio de traves mal pregadas - o hipódromo parecia um palanque de arraial - mal pintadas e com fendas;
o recinto da tribuna fechado por um tapume de madeira;

as pessoas não sabem ocupar os seus lugares: «... havia uma fila de senhoras quase todas de escuro encostadas ao rebordo, outras espalhadas pelos primeiros degraus; e o resto das bancadas permanecia deserto e desconsolado...»;

. a improvisação
. o remendo apressado
. a iniciativa sem base sólida
. os retoques sem gosto

Durante as corridas:


fuma-se e fala-se baixo -> falta de à-vontade;
as pessoas pasmam -> pasmaceira;
dois brasileiros queixam-se do preço dos bilhetes e consideram as corridas uma «sensaboria de rachar»;
a chegada do rei é saudada com o «Hino da Carta».

Descrição do bufete:


instalado debaixo da tribuna;
pobreza: «... o tabuado nu, sem sobrado, sem um ornato, sem uma flor.» - assemelha-se a uma taberna;
falta de higiene e aspeto nojento: «... dois criados, estonteados e sujos, achatavam à pressa as fatias de sanduíches com as mãos húmidas da espuma da cerveja.»;
a animação fictícia, com hurras a Clifford e a Carlos.

As corridas

1.ª corrida: a do 1.º Prémio dos «Produtos»:

  • os dois cavalos «passavam num galope sereno»;
  • os assistentes não sabem quem ganhou e, mal a corrida termina, regressam ao silêncio, à lassidão e ao desapontamento;
  • o desinteresse pela corrida confirma-se na atitude dos que se encontram de costas voltadas para a pista, fumando e contemplando as mulheres;
  • o provincianismo bacoco dos homens que ficam parados e embasbacados a admirar Clifford;
  • a ausência de apostas;
  • a falta de autoridade e de respeito para com o rei, cuja proximidade não impede a desordem;
A corrida termina com uma cena de insultos e pancadaria por causa de uma burla (segunda desordem):


  • quebra do verniz de civilização e requinte social que a sociedade pretendia ostentar,deixando emergir o provincianismo;
  • grande incultura e grosseria;
  • inadequação do ambiente cosmopolita das corridas à vivência social portuguesa;


«Isto é um país que só suporta hortas e arraiais...»;
«Corridas, como muitas outras coisas civilizadas lá de fora, necessitam primeiro gente educada.»;
«Do que gostamos é de vinhaça, e viola, e bordoada...».

SER =/= PARECER
(provinciano) (civilizado)
«Aquela corrida insípida, sem cavalos, sem jóqueis, com meia dúzia
de pessoas a bocejar em roda...»
«... tudo aquilo era uma intrujice...»
porque era «... um divertimento que não estava nos hábitos do país.»

2.ª corrida: a do Grande Prémio Nacional:

Alguns sujeitos examinam o «Rabino», «com o olho sério, afetando entender», entre os quais se einclui Carlos, que também admira o cavalo, mas nota-lhe o peito estreito;
finalmente, aposta-se:

  • estão quatro cavalos inscritos na corrida;
  • o favorito é o «Rabino» e todos querem tirar o bilhete deste;
  • Carlos, por «divertimento» («... gostara da cabeça ligeira do potro, do seu peito largo e fundo...») e «... para animar mais aquele recanto da tribuna, ver brilhar gulosamente os olhos interesseiros das mulheres.», decide apostar tudo em «Vladimiro», apesar do potro ir em último lugar na corrida;
  • todos os outros decidem apostar contra Carlos, procurando «aproveitar-se daquela fantasia de homem rico...»;
  • contra todas as expectativas, «Vladimiro» vence «Minhoto» por duas cabeças, o que permite a Carlos ganhar a poule e provoca a irritação dos restantes, que perderam;


Finalizada a corrida, o torpor volta a instalar-se enquanto as pessoas se dispersam:

«Mas uma indiferença, um tédio lento, ia pesando outra vez, desconsoladoramente...»;
os rapazes bocejavam, com um ar exausto;
a música desanimada;
«As senhoras tinham retomado a imobilidade melancólica...»;
«E sujeitos, de mãos atrás das costas, pasmavam...».

Conclusões - Intenção crítica de Eça:


O oportunismo e a cupidez dos que se pretendem aproveitar de Carlos apostar no cavalo menos favorito;
o desejo português de ser o primeiro em tudo;
a tendência de as pessoas se aperceberem do que é óbvio e de secolarem ao vencedor, evidenciada pelo facto de mesmo os que não haviam apostado no «Minhoto» o aplaudirem, pois esperavam que fosse ele o vencedor;
o patriotismo provinciano que vê em jogo, numa corrida de cavalos, o prestígio do nosso país: como «Minhoto» era um cavalo português, a sua vitória seria um ato patriótico;
o cansaço rápido que se apodera de nós e que permite que outros venham, de seguida, colher o fruto do nosso esforço desordenado: o jóquei inglês deixou primeiro que «Minhoto» se cansasse, para depois o vencer facilmente;
o não saber perder, patente na reação das personagens quando o cavalo em que apostaram perdeu:


«... o adido italiano (...) empalideceu...»;
«... atiravam-lhe com um ar amuado as apostas perdidas...»;
«... a vasta ministra da Baviera, furiosa...»;
«... o secretário lento e silencioso...».
. 3.ª corrida: a do Prémio de El-Rei → um cavalo solitário atravessa a meta, sem se apressar, num galope pacato, e só muito tempo depois chega um outro cavalo, uma pileca branca arquejando, num esforço doloroso, numa altura em que o jóquei do cavalo vencedor se encontrava já a conversar com os amigos, encostado à corda da pista.

4.ª corrida: a do Prémio da Consolação:
todo o interesse fictício desaparecera e regressa a indiferença geral;
junto à meta, um dos cavaleiros caíra;
já à saída, o Vargas, bêbedo, esmurrara um criado de bufete → «... tudo é bom quando acaba bem.».
2.7. As personagens

2.7.1. Os jóqueis:
. 1.ª corrida:
-» o Pinheiro - montava o «Escocês»
-» um sujeito - montava o «Júpiter»
. 2.ª corrida:
-» um jóquei - montava o «Rabino»
-» um jóquei espanhol - montava o «Minhoto»
-» um jóquei inglês - montava o «Vladimiro»
. 3.ª corrida:
-» um gentleman - montava um cavalo
-» um jóquei roxo e preto - montava uma pileca
. 4.ª corrida:
-» jóqueis sem identificação

2.7.2. Os homens


O Visconde de Darque:


Dono do «Rabino», o favorito, considera a sua participação um sacrifício;
«... não podia apresentar um cavalo decente, com as suas cores, senão daí a quatro anos»;
não apurava cavalos para «aquela melancolia de Belém», para aquele «horror»;
quando há qualquer problema ou dúvida, requisitam-no de imediato: «Eu sou o dicionário...».

El-Rei: sorridente.
Alencar:

elegantemente vestido;
sempre cortês e bem penteado nesse dia, beija fidalgamente a mão de D. Maria da Cunha;
encontra nas corridas «... um certo ar de elegância, um perfume de corte...».

O barão de Craben, pequenino, aos pulinhos.
Craft, que apresenta Clifford a Carlos.
Sequeira:

«... entalado numa sobrecasaca curta que o fazia mais atarracado, de chapéu branco...»;
considera uma «sensaboria» «... aquela corrida insípida, sem cavalos, sem jóqueis, com meia dúzia de pessoas a bocejar em toda...», «... um divertimento que não estava nos hábitos do país...».

Clifford: «... parecia achar tudo aquilo ignóbil...», acabando por retirar a «Mist».
Steinbroken: aposta sem conhecer os cavalos.
Conde de Gouvarinho e os seus dislates e ignorância: «... todos os requintes da civilização se aclimatavam bem em Portugal.»; «O nosso solo (...) é um solo abençoado!».
Teles da Gama, encarregado de organizar as apostas.
Eusebiozinho, acompanhado pela Concha e pela Carmen.
Dâmaso:

o seu «chique a valer»;
a gabarolice, a falta de educação e de respeito para com as mulheres, traduzida numa linguagem rude: «... tinha estado (...) com uma gaja divina...»;
a queixa da troça que o seu véu provocara.
2.7.3. As mulheres


Em geral

as que vêm no High Life dos jornais
as dos camarotes de S. Carlos
as das terças-feiras dos Gouvarinhos




não sabem ocupar os seus lugares
vestem-se ridiculamente de escuro («vestidos sérios de missa»)
peles murchas, gastas e moles

«... canteirinho de camélias meladas...»



Em particular

As duas irmãs do Taveira (diminutivos irónicos):

  • magrinhas;
  • loirinhas;
  • corretamente vestidas.


A viscondessa de Alvim: nédia e branca.

Joaninha Vilar

cada vez mais cheia e com um quebranto cada vez mais doce no olhar;
lânguida, parece oferecer o seu «apetitoso peito de rola!».


As Pedrosos, banqueiras, interessando-se pelas corridas.
Condessa de Soutal: desarranjada, com lama nas saias.
D. Maria da Cunha:

desenvolta, ousada, foi a única com atrevimento suficiente para se vir sentar junto dos homens, porque «... não aturava a seca de estar lá em cima perfilada, à espera da passagem do Senhor dos Passos.»;
bela, apesar da idade;
muito à vontade, era a única a divertir-se;
considera ridículo o «Hino da Carta», porque dá às corridas um ar de arraial;
casamenteira, apresenta Alencar à sua amiga Concha e, depois, procura aproximar ainda mais Carlos e a condessa.


A menina Sá Videira

petulante e pretensiosa;
filha de um rico negociante de sapatos de ourelo;
abonecada;
«... com o arzinho petulante e enojado...»;
«... falando alto inglês...».


A ministra da Baviera, a baronesa Craben

«... enorme, empavoada...»;
muito gorda: «... com um gluglu grosso de peru...»; «... feitio de barrica, deixando sair o sebo por todas as costuras do vestido (...)»; «... a insolente baleia!»;
altiva, insolente e sobranceira.


A Condessa de Gouvarinho

elegantemente vestida;
sensual e audaz;
é admirada por vários homens;
no dia seguinte, partirá para o Porto para comemorar o aniversário do pai e quer que Carlos a acompanhe, congeminando um plano para levar a cabo os seus intentos.
Em suma, neste episódio, o narrador critica e caricatura uma sociedade que aplaude a organização das corridas na sua ânsia de imitar o que de melhor há «lá fora», sobretudo em Paris, modelo de civilização. Porém, como em Portugal não havia a tradição nem o hábito de realização de tais eventos, em vez de um grande acontecimento mundano, assistimos a um grande fiasco, a mais uma manifestação do gosto pela aparência e pelo postiço, em detrimento daquilo que seja autêntica e genuinamente português.
Os alvos visados por Eça de Queirós são, basicamente, dois:


A Monarquia, pela falta de autoridade que o Rei demonstra, pois a sua presença não consegue impedir as várias desordens;
a alta sociedade lisboeta:

a incivilização;
o fracasso total dos objetivos da corrida;
a falta de decoro e de educação;
a incultura;
a grosseria;
o desinteresse;
o caráter mimético;
a improvisação;
o atraso generalizado;
o provincianismo: a organização das corridas, que pretendia emprestar-lhes um toque de civilização, acaba por pôr a nu o quanto há de postiço e de reles no decoro solene da assistência:

«... desmanchando a linha postiça de civilização e a atitude forçada de decoro...»;
a «... massa tumultuosa (...) empurrando-se contra as escadas da tribuna real, onde um ajudante de el-rei, reluzente de agulhetas e em cabelo, olhava tranquilamente...»;
os gritos de «Fora! Fora!», «ordem» e «morra»;
a reação agressiva do Vargas;
a fuga espavorida das «... senhoras com as saias apanhadas...».

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