Frei Luís de Sousa apresenta uma tese anti-sebastianista, embora todo o texto se desenvolva em torno desta temática. O regresso do passado destrói o presente e inviabiliza o futuro. A mensagem que Garrett deixa passar aos seus contemporâneos (então dominados pela ditadura de Costa Cabral) é a de que não nos podemos deixar dominar nem seduzir pelo passado, apenas o presente conta e o futuro deve ser alvo do nosso empenho.
[...] Com a perda do jovem monarca [D. Sebastião], na batalha de Alcácer Quibir, e a posterior anexação de Portugal a Espanha, em 1580, o nosso país atravessa um dos períodos mais negros da sua História. D. Sebastião não deixa descendência, o que afunda Portugal numa época de inércia e de brumas, à espera de um heróico rei salvador. Da relutância s em reconhecer que, com a morte do rei, morria também o velho Portugal, nasce um mito: o Sebastianismo. O mito sebastianista sustenta a esperança messiânica e a crença nacional no regresso de D. Sebastião. O rei "Desejado" iria vencer toda a opressão, sofrimento e miséria em que Portugal vivia, restituindo-lhe o brilho e a glória de tempos passados.
A leitura interpretativa de Frei Luís de Sousa não pode esquecer a atuante presença do Sebastianis-mo e o que este mito do "Desejado" significava na conceção de Portugal: uma nação à procura da sua identidade, assombrada por mitos do passado.
A possibilidade teórica do regresso de D. Sebastião é simbolicamente representada na peça pelo regresso de D. João de Portugal, na figura do Romeiro. As personagens que melhor simbolizam a esperança no seu regresso são Telmo e Maria. Ao longo da peça, são várias as referências expressas à mítica figura de D. Sebastião [...]:
No primeiro diálogo entre D. Madalena e Telmo, D. Madalena censura ao velho aio as suas crendices sebásticas: "[...] as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade" (Ato I, cena II). [...]
As crenças sebastianistas de Telmo são assimiladas pela influenciável jovem Maria de Noronha, que acredita indubitavelmente no regresso do desejado monarca, D. Sebastião: "[...] que não morreu e que há de vir, um dia de névoa muito cerrada [...]" (Ato I, cena III). Esta influência de Teimo no espírito de Maria provoca grande aflição a D. Madalena de Vilhena: "[...] não vês que estás excitando com tudo isso a curiosidade daquela criança, aguçando-lhe o espírito [...]" (Ato I, cena II).
O incêndio da casa de Manuel de Sousa Coutinho permite a mudança de espaço físico, para o palácio de D. João de Portugal, e o contacto com o retrato de D. Sebastião, que merece a curiosa e entusiasmada atenção de Maria: "[...] é o do meu querido e amado rei D. Sebastião." (Ato II, cena I). Aliás, o incêndio da casa de Manuel de Sousa Coutinho não é só um viril ato de patriotismo, mas é fulcral para o entendimento do Sebastianismo na peça: o incêndio espelha a determinada busca de um novo espaço, e mesmo de uma nova ordem, para uma família assombrada pelo passado, que representa uma nação assombrada por mitos e sonhos, como o do Sebastianismo. Garrett parece dizer-nos que Portugal não se pode imobilizar na fixidez de um passado mítico, mas tem de mudar o rumo da sua história, procurar uma nova ordem.
Podemos, então, concluir que o mito do Encoberto assume uma conotação negativa em Frei Luís de Sousa, sendo perspetivado como sinal de paragem no tempo, de estagnação e de sacrifício do herói na catástrofe final: Maria de Noronha representa o sacrifício necessário para expiar os fan-tasmas do passado e definir o futuro do país. [...]
Mais do que meras personagens de um drama familiar, na peça de Garrett temos seres simbólicos, representativos do destino coletivo português, num momento de profunda crise política, devido à perda da independência. Neste sentido, a resposta "Ninguém!" do Romeiro a Frei Jorge pode ser associada a Portugal, um país subjugado pelo domínio filipino.
Por isso, a espera sebástica em Frei Luís de Sousa simboliza a problematização do modo de ser português, a autointerrogação de um Portugal que busca a sua identidade e não se encontra.
Fonte: http://www.escolavirtual.pt
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